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Em entrevista exclusiva ao Mais Agro, o agrometeorologista da Rural Clima, Marco Antonio, conta tudo sobre a relação entre clima e agricultura na safra de soja 2023/24, explicando como as condições climáticas podem impactar também as outras culturas economicamente importantes para o produtor rural e para o Brasil.
A capacidade da grande produção brasileira de soja impressiona, sendo o país estratégico no fornecimento desse grão fundamental para diversas indústrias. “Hoje a gente estima que o Brasil tem um potencial produtivo de 165 milhões de toneladas para a safra 2023/24. Vamos chegar a isso? Não, não vamos. Mas podemos ter uma safra muito semelhante à que tivemos este ano, de 155 milhões, que é uma baita de uma safra”, comenta Marco Antonio.
Esse potencial, que faz o mundo todo voltar os olhos para a nossa agricultura, não se limita somente ao Brasil. Outros países da América do Sul, situados na região conhecida como Cone Sul, também tendem a alcançar melhores resultados no próximo ciclo. A Argentina, que viveu uma quebra de 60% de produção na última safra, pode colher 48 milhões de toneladas de soja em 2023/24, quase o dobro dos 25 milhões produzidos na safra anterior.
Os números são do WASDE (World Agricultural Supply and Demand Estimates) publicado em agosto de 2023, um relatório mensal do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) que entrega dados precisos sobre a produção agrícola mundial. A expectativa também é de melhoria para Paraguai e Uruguai. “Colocando tudo isso na balança, no total, teremos uma safra muito maior este ano na América do Sul como um todo”, avalia o meteorologista.
De fato, na dinâmica entre clima e agricultura, é o clima que dá as cartas do jogo, e as melhorias na expectativa da safra têm relação direta com as previsões meteorológicas, por conta da anomalia ENSO, uma condição que afeta a temperatura do maior oceano do mundo, o Pacífico, criando os fenômenos La Niña e El Niño.
Esse é o tema central para a produção de grãos no Brasil, com destaque para a soja, cuja janela de plantio se inicia em setembro nas principais regiões produtoras brasileiras, de maneira que o regime pluviométrico e as influências do polêmico fenômeno El Niño também foram o foco da entrevista realizada pela central de conteúdos Mais Agro com a Rural Clima:
Super El Niño? As previsões para clima e agricultura entre 2023 e 2024
No artigo, El Niño e clima: o que a agricultura tem a ver com isso?, publicado na central de conteúdos Mais Agro em julho de 2023, foram explicados os detalhes técnicos da formação desse fenômeno climático. Seu impacto na agricultura depende de sua intensidade, que, por sua vez, é definida em função da temperatura das águas do Oceano Pacífico.
As temperaturas abaixo do limite de neutralidade indicam a formação do La Niña, fenômeno que influenciou o clima no mundo todo nos últimos três anos, sendo responsável pelos baixos resultados de produção agrícola na Argentina e pelas dificuldades enfrentadas pela região Sul do Brasil, que teve que plantar e colher sob risco de estiagem.
Já as temperaturas acima desse limite definem o El Niño, que desde julho deste ano mostra a que veio. De acordo com Marco Antonio, a intensidade do fenômeno El Niño é classificada da seguinte forma:
- Faixa de neutralidade: de -0,5 ºC a +0,5 ºC.
- Fraco a moderado: de 0,5 ºC a 1,0 ºC.
- Moderado a forte: 1,0 ºC a 1,5 ºC.
- Forte: 1,5 ºC 2,0 ºC.
- Muito forte: acima de 2,0 ºC, apelidado de Super El Niño.
O agrometeorologista conta que, em agosto, a anomalia ENSO alcançava a faixa de 1,2 ºC, variando para 1,3 ºC, o que configura um El Niño de moderada a forte intensidade para o início da safra de soja no Brasil. Com isso, já é possível prever o macroclima das regiões agrícolas a curto e médio prazos:
É difícil prever, no entanto, como será o clima ao longo do desenvolvimento da soja, ou seja, no primeiro trimestre de 2024. Marco Antonio aponta que as chances de um Super El Niño realmente se formar ainda em 2023 são baixas, pela observação dos padrões climáticos.
De toda forma, não se sabe se o Pacífico continuará aquecendo, de maneira a provocar uma intensificação dessas condições. Caso a suposição se confirme, os desafios climáticos podem se agravar a partir de abril de 2024, afetando a segunda safra de milho.
“Se o El Niño persistir para o verão e o outono de 2024, ou seja, março e abril, há uma tendência das chuvas cortarem mais cedo, já no começo de abril. É aí que, talvez, more o perigo. Isso vai depender muito de como for o andamento do plantio do milho safrinha. Se o milho foi plantado dentro de uma janela ideal, até dia 15 de fevereiro, pode ser tranquilo. Se passar muito disso, podemos ter problema”, informa Marco Antonio.
Impactos do El Niño nas lavouras de soja e de outras culturas: aprendendo com o passado
Nos últimos 30 anos, o Brasil vivenciou os impactos de dois super El Niños, um na safra 1997/98 e outro em 2015/16. “Em 1997/98 não tinha milho safrinha”, explica o especialista, “era uma agricultura muito diferente da que temos hoje, porque muita coisa mudou de 2005 pra cá, especialmente em relação a soja e milho de ciclos mais precoces, o que deu condições para plantar mais cedo e produzir milho safrinha.”
Assim, a safra 2015/16 serve mais como referência e aprendizado para o momento atual. Naquele biênio houve uma queda significativa na produtividade, o que se justifica pela presença do fenômeno El Niño. Sobre isso, Marco Antonio avalia:
“El Niño nunca é bom. Se você pegar na história e comparar safras, índices de produtividade e fenômenos, você vai ver que os anos de El Niño foram as piores safras que o Brasil teve, enquanto anos de La Niña foram as melhores safras.”
Nessa perspectiva, a análise é de que o La Niña das últimas safras gerou dificuldades por sua persistência, durando cerca de 36 meses, e pela grande intensidade do resfriamento das águas do Oceano Pacífico, o que prejudicou as condições das lavouras no Cone Sul. Por isso, as expectativas de melhorias para a safra 2023/24 estão mais relacionadas à ausência do La Niña do que à formação do El Niño propriamente, que, na verdade, pode gerar preocupação para 2024/25, caso a tendência de crescimento continue.
Para setembro e outubro de 2023, no entanto, a perspectiva do meteorologista é de que os produtores rurais precisam ter a máxima cautela, visto que o regime de chuvas ainda parece bastante instável, podendo afetar a velocidade do plantio de soja:
Condições climáticas para o plantio e o desenvolvimento da soja 2023/24
As previsões climáticas para setembro e outubro de 2023 indicam alguns percalços para o sojicultor que irá iniciar o plantio. Isso se deve à irregularidade das chuvas, principalmente nas regiões do Cerrado, onde não haverá total ausência de precipitação, mas pode ocorrer períodos de estiagem, prejudicando a semeadura e a fase de emergência das lavouras.
Já no Sul, a alta umidade continuará a ser uma realidade, favorecendo o início do cultivo, mas também o desenvolvimento de doenças comuns para o período. Além disso, a temperatura atmosférica, que apresentou notável elevação no inverno de 2023, deve se manter alta, interferindo na fisiologia das plantas, como explica o entrevistado:
Perspectivas climáticas para café, cana-de-açúcar, milho e algodão
As chuvas atingindo a região Sudeste na última semana do mês de agosto podem levar a uma indução do florescimento das plantas de café na primeira quinzena de setembro. Caso essa precipitação não persista e a temperatura volte a subir, pode ocorrer abortamento.
Por outro lado, a florada precoce resulta em diferentes pegamentos, afetando a qualidade da colheita, pela variedade de tipos de café em um mesmo lote. Assim, a antecipação das chuvas geraria complicações ao cafeicultor, chovendo ou não em setembro.
Para a cana-de-açúcar, o excesso de dias chuvosos na região Centro-Sul a partir do final de setembro, com chances de se estender até depois de meados de outubro, pode ser benéfico para o desenvolvimento das lavouras. No entanto, as operações de colheita em andamento em algumas áreas podem sofrer com paralisações frequentes, diminuindo a produção nas lavouras cujas usinas prefiram deixar determinada quantidade de cana visada para 2024.
Quanto à produção de algodão, a colheita da safra 2022/23 ainda está em andamento em setembro, de maneira que ainda está muito cedo para definir qualquer perspectiva sobre o plantio, previsto para dezembro e janeiro.
Por fim, as condições para o milho verão tendem a ser melhores no Sul, pelos mesmos motivos já discutidos em relação à soja. Por outro lado, as incertezas em relação ao clima na safrinha fazem com que as perspectivas para a produção total de milho na safra 2023/24 sejam ainda muito imprecisas.
Nas palavras de Marco Antonio, a análise geral dessas condições é a seguinte:
Atualizações do clima nos EUA e a produção de grãos no cenário global
Para dar continuidade à análise sobre a dinâmica do mercado sob a influência do clima, tema do artigo Clima no Brasil e nos EUA: impactos no mercado de grãos, perguntamos a Marco Antonio como estava o clima no país que é o maior concorrente agrícola do Brasil, disputando as demandas de importações.
O início da safra 2023/24 nos EUA, entre maio e junho, foi marcado por uma seca grave, com previsões muito ruins para a soja e o milho, por conta das intercorrências climáticas na fase vegetativa das culturas. Isso faz as projeções dos resultados de produção serem reavaliadas para baixo a cada novo relatório da USDA.
O meteorologista conta, no entanto, que as chuvas retornaram ao país ao longo da segunda quinzena de agosto, momento em que as lavouras já estão na reta final de desenvolvimento, com as colheitas previstas para iniciar em meados de setembro. Isso melhorou um pouco as condições da produção de grãos. Ainda assim, prevê-se um novo período de estiagem chegando, que pode gerar mais impactos negativos.
“Está longe de ser a quebra que todo mundo esperava. Se você acompanhar todos os relatos da Rural Clima desde o começo de março, a gente sempre falou que os Estados Unidos iriam produzir uma safra relativamente boa. E é o que está acontecendo: vai ser uma safra dentro de um padrão normal. Com algumas quebras, sim. Não vai ser uma produção perfeita, mas está longe de ser igual a 2012.”
Marco Antonio ainda comenta que tudo isso é fruto dos impactos negativos de um El Niño que ainda não está totalmente maduro, tendo em vista que, se o fenômeno já estivesse formado, a produção de grãos estadunidense seria muito mais generosa. Isso significa que, com base em toda a análise climática aqui desenvolvida, a tendência é que a condição melhore para o país em 2024.
Como o produtor rural brasileiro pode se preparar para os desafios climáticos que estão por vir?
A grande estratégia para mitigar os prejuízos que o clima pode causar às lavouras, já pensando na safra de soja, com semeadura entre setembro e janeiro na maioria das regiões produtoras, é priorizar um plantio bem-feito, precoce e mais rápido, de acordo com Marco Antonio. O especialista em clima e agricultura destacou as seguintes práticas que podem ser cruciais para o sucesso dos cultivos:
- seguir à risca as boas práticas agronômicas;
- dar atenção ao perfil de solo, criando boas condições para superar o veranico;
- avaliar as estratégias disponíveis de acordo com as recomendações agronômicas para proteger as plantas contra as altas temperaturas;
- tecnificar-se e utilizar a tecnologia a seu favor.
Esse último tópico é bastante eminente no contexto da produção de soja no Brasil – assim como de outras culturas de interesse econômico –, visto que os impactos das mudanças climáticas na agricultura são um fato inegável. “Se tem uma coisa que a gente não pode ir contra é o termômetro”, afirmou Marco Antonio, analisando ainda que o aumento da temperatura pode ser consequência da mudança da arquitetura da Terra pelas mãos humanas, assim como pode ser algo cíclico.
Nesse cenário, a melhor saída para continuar produzindo alimento e matéria-prima suficientes para suprir a demanda da crescente população mundial é evoluir também nas técnicas e nas ferramentas. A sucessão familiar tem cumprido importante papel nessa tecnificação, pois as novas gerações do agro estão bastante dispostas a aplicar as novas tecnologias para um manejo consciente e uma produção mais rentável.
Algo que Marco Antonio avalia como uma evolução necessária para o setor acompanhar as novas tendências climáticas sem prejudicar a produção e as necessidades da humanidade, que depende, e muito, da agricultura brasileira para se manter:
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